16.10.18

O dia em que eu enfrentei o medo


Lembro da sensação, mas não tenho memórias exatas do que aconteceu nesse dia
Se eu tivesse, ainda assim, seria difícil usar as palavras pra definir algo que ainda nem consegui nomear
Certas peças que faltam na lembrança do fato, lapsos 
Do que me roxeou o corpo, me levou pedaços de pele e desencadeou inúmeras palpitações
Foram segundos. No máximo um minuto mas não chegou a tanto
O dia em que eu enfrentei o medo

Essa semana me rotularam radical e eu me ofendi
Sabe o quanto que engoli e me afoguei em nome de manter tudo bem? evitar conflitos?
As quedas alheias e as minhas, principalmente as minhas
nunca foram uma opção
Aprendi logo a ser equilibrista, tipo aquele pessoal de circo que consegue colocar pratos nas mãos e nos pés e ainda rodá-los, eu me tornei
Nunca deixei um prato sequer cair - porque era o melhor que eu podia fazer
Só não por mim

Com o tempo fui ficando com dores na coluna, nas mãos, no dedo, na alma
O que era ainda mais insuportável
Como eu precisava gritar! E como esse grito era sempre abafado e censurado por mim mesma
Mas eu vinha me liberando dessa obrigação e a queda foi um ritual
De libertação, dor, coragem, corpo e controle
Meu e apenas meu, mas já não tão apertado feito antes. Preciso afrouxar o laço para não
romper
Os pratos voaram todos, quebraram todos e eu nem me preocupei em procurar os cacos
Não é mais problema meu

Acelerei, freei, bati, me arranhei, me cortei me rasguei no asfalto
Nunca pensei que cair pudesse ser solução
Eu consegui soltar
Passo um remédio que arde para limpar os vírus e bactérias e ajudar na cicatrização todos os dias
As pernas recebem gelo de hora em hora para conter o inchaço
Mas agora as feridas estão todas expostas, posso vê-las
E assim cuidar de cada uma delas
Eu cuido

Vi a pele sair e mostrar as camadas mais sensíveis do meu corpo
E vi também ela voltar, se regenerar aos poucos
O sangue voltou, o tecido também,
novos, bonitos, intactos
O processo de cura começou.

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