14.5.18

Estações


Eu vi o outono chegar e nem ao menos pude controlar o cair incessante das folhas. 
De verdes tornaram-se amarelas e logo descolaram. Voaram. Eu as perdi, eu não podia mais segurar e soltei, já não me pertencia. Era eu e era maior do que eu, além de mim. Por tanto tempo eu segurei e agora eu precisava soltar. Mesmo com que todo o meu esforço, mesmo com as mãos calejadas e doídas de fazer força, eu aceitei. E deixei ir. Não sabia o que fazer com aquilo. As folhas chegavam ao chão. Leves, sutis, depois de dançar com o vento. Em amarelo e laranja vibrante. Era tão bonito, dava tanto medo. Era muito. Não sobrou nenhuma folha minha, não restou nada.

Eu senti o frio tomar conta do caminho que eu trilhei, senti o vento congelado dominar as minhas articulações.
Por vezes, a neve se transformou em montanhas e eu acreditei que não poderia transpor. às vezes eu não queria. Era inverno e eu sentia trovões, raios, relâmpagos estremecerem o meu corpo, uma eletricidade que me paralisava. O choque rasgava, mas depois cessavam. Calma. O sangue já não circulava mais as minhas veias, eu guardava todo o calor possível pra manter meu coração batendo. Eu pensei que tinha morrido. Talvez eu tenha mesmo morrido.E eu senti paz, eu não me sentia parte. A árvore tinha secado e eu era só galhos velhos, molhados, mofados. Me perguntei até quando eu aguentaria, se aguentaria. Mas eu aguentei. O gelo, o queimor, o gelo, o frio na espinha. Meu coração não parou de bater. Mesmo quando eu morri, ele bateu. Quase indetectável, mas vivo.

O sangue se espalhou, ramificou. Chegou a primavera, tímida. Lembro de ter visto uma flor se abrir em algum lugar. Fiz tanto esforço pra ver ela brotar, quase um parto.  Eu pari. Doeu, rasgou, me fez gritar, urrar, berrar. A sensação mais linda, a semente que eu plantei. Eu que aguei, que cuidei, que deixei bater luz na medida certa. E ela brotou no meio da minha barriga. No meio da minha cabeça, no meu cabelo. No meio do meu pé. No meio, no lado. Na frente, no outro lado. Eu virei um jardim. Eu virei e revirei. E vi brotos, galhos, verdes, marrons, de várias cores. Tudo eu, que não sou eu. É a parte de um todo que ultrapassa. Tudo floriu, eu sorri e chorei. Às vezes doeu, às vezes fui só gratidão. Agora eu tenho um jardim só meu pra regar. É meu e tudo está igual, mas é diferente.

Logo depois eu vi o sol chegar. Grande, luminoso, rei. Aqueceu minhas flores, me deu criatividade e luz. Eu sou tão grata. Eu sou tão iluminada e maior. A lua também veio luminosa, cheia de paixão. Eu carrego tudo isso aqui. Tudo isso se completa e se renova. Traz esperança. O jardim esteve sempre aqui, mas hoje eu vejo todo o seu processo. O verão, enfim, se instalou, se espalhou. O mar e a terra se encontraram. E eu finalmente entendi que

Não são as flores e nem o sol
Nem os brotos que doem ou não
Ou o calor do verão
Mas as folhas precisam cair. Eu preciso soltar
O inverno precisa chegar. Eu preciso entrar em mim
Mergulhar no rio de águas negativas
Até o fundo, até o mais fundo
Para então renascer
E receber as flores e o sol e a lua
E o verde e o marrom e a luminosidade
Da maneira mais bonita e honesta que eu puder

Só posso ser eu se aceito ser parte de algo maior. Que muitas vezes eu não entendo. Que faz sentido e depois não faz. Que é todo. Que eu sei que não preciso ser nada mas posso ser tudo. E acolho cada estação que se manifesta em mim. Sou ciclos e, assim sendo, renasço. Renascerei mil vezes mais.

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