10.5.14

O olho que nada vê

Olho pra televisão do quarto, quase sempre ligava e fujo o olhar para a janela. É madrugada e não passa nenhum carro na rua. Levanto quase que automaticamente da cama e sigo para cozinha. Abro a geladeira que eu não ter alguma coisa que eu queira comer, mas abro só pra me certificar de seguir a rotina. Há dias penso em pintar as unhas, embora ainda não tenha arrumado um momento oportuno para eu isso aconteça. Eu ando ligada no automático mesmo. Apressada, atrasada, estressada. Os maiores pesadelos ilustram as minhas noites de sono e não descanso. Faz tempo que não sei o que se passa por dentro de mim.

Se me sinto bem ou mal, eu não sei. Se gostei do almoço de hoje ou fiquei satisfeita com o dia do trabalho, eu não sei. Eu não tenho tempo pra pensar nesse tipo de coisa. Na verdade, eu não tenho tido tempo pra pensar em muita coisa. E com isso, imagino o que estou fazendo a única (não ela tenha algo de muito tão especial até o momento) vida que eu tenho. Meus diálogos são cuspidos boca a fora antes mesmo de pensar sobre o que estou falando. Pessoas parecidas, assuntos parecidos e eu arrumei respostas prontas para todas elas. Mas eu também faço parte desse grupo de pessoas.

O que aconteceu comigo, afinal? O que acontece com o mundo? Quando tudo deixou de ser tão interessante sem que eu percebesse? Finjo que presto atenção numa conversa entendiante enquanto a minha cabeça viaja em um mundo particular. Às vezes, penso ter perdido a disposição de mostrar quem eu sou para a pessoas e, sinceramente, nos últimos tempos não tenho visto muita vantagem em se expor no momento em que as pessoas só esperam que você tire o curativo para enfiar o dedo na tua ferida. A garganta sempre guardando um nó e o coração, uma mágoa. 

Não sei quando eu e o mundo perdemos o gosto pela humanidade. Por conhecer as pessoas e ajudar uma senhora a atravessar a rua sem se preocupar com o atraso para chegar ao emprego. Eu sinto, acredito que você também sente falta de conexões verdadeiras, do abraço e do toque amigo, do olhar aguçado para com o outro, mas ao mesmo tempo se mantem na defensiva: sua vida é importante demais para dar espaço para alguém.

E aí eu me vejo sozinha. Cheia de gente por perto e sozinha. Sem alguém que realmente me conheça e saiba o que se passa dentro de um coração que, no momento, nem eu mesma reconheço. Talvez seja a hora, então. O relógio já marca mais de duas da manhã. Como dizia meu professor de história: "mente vazia, oficina do diabo". Amanhã de manhã volto ao automático. Amanhã de manhã, trocarei sorrisos e bons dias com aqueles que encontrarei no caminho até o trabalho. Rirei de piadas e contarei trechos da minha vida para quem pensa me conhecer, me iludirei achando que tenho muitos amigos.

Amanhã de manhã, tudo voltará a sua normalidade e eu não verei verdadeiramente a mim, assim como não verei os que me cercam. Há coisas mais urgentes, eu não tenho tempo. E de urgência em urgência, eu me perco, perco você e perco os outros. Amanhã, serei apenas mais uma no meio de todos os normais que se olham o tempo inteiro, mas que em hipótese alguma se enxergam.

3 comentários:

  1. Você tem uma forma de escrever muito leve que consegue nos prender ao longo do texto.
    Acho que já passei (e ainda passo) por isso. Quando isso acontece procuro tirar um tempo para mim e fazer algo que me deixe feliz, sair do automático, agir com espontaneidade e leveza. Ás vezes dá certo rs.
    http://www.viciodiario.com/

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  2. Passando conhecer seu blog, achei tudo um encanto por aqui!!
    Voltarei mais vezes, beijo.

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  3. Ai Amanda, quem nunca se sentiu assim? Eu mesma andei escrevendo textos tão parecidos lá no meu blog. Cadê o sal da vida? Sei bem como é isso.
    Mas sabe que passa, viu?
    Beijos,
    C,
    www.caixa-a-a.com

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