De mudança

Te deixei entrar porque você prometeu que não faria muita bagunça. Na verdade, você bagunçou bastante e isso, às vezes me irritada, mas fui me acostumando com o teu jeito. Com o tempo, passei até a gostar de toda aquela confusão. Fazia tempo que eu não deixava ninguém entrar por aqui. Sendo sincera, eu nunca tinha deixado ninguém entrar. E eu gostei de te deixar entrar, até abri as cortinas e enfeitei a varanda com flores, a janela estava fechada há algum tempo e alguns móveis estavam empoeirados. Comecei a me encontrar por entre aquele amontoado, mesmo com toda a bagunça, eu me sentia mais em casa do que nunca. 

Aos poucos, a mesma algazarra que fazia a nossa diversão, foi se tornando incômoda, imensurável, maior do que nós. Não conseguíamos mais contê-la e nós não sabíamos o que fazer. Eu estava certa de que arrumaríamos tudo juntos e que seria gostoso, bom, como antes. Mas a minha confusão te confundiu demais, a nossa confusão nos fez nos perder e você foi embora. Decidi por largar tudo do jeito em que estava. Não dá pra arrumar tudo sem você, pelo menos por enquanto. 

Eu não quero voltar lá e ver tudo o que nós podíamos ter sido, arrumado, bagunçado, ver os copos que marcaram a madeira do centro da sala, as flores que agora estão mortas, as cortinas fechadas, que não deixam o sol entrar. Os sentimentos que pediram pra ser e não foram, o amor que hoje está trancado no porão. Assim como você, deixei tudo lá, abandonei. Uma parte, também porque quero que tudo fique ali, intacto, guardando um pouquinho de você. Quem sabe um dia você resolva voltar. Sei que ainda há um pouco de você lá e não quero perder isso. Outra parte minha apenas quer que tudo isso fique pra trás.

Estranho mesmo é se desfazer da casa em que eu estava me acostumando a chamar de lar. E sempre foi, mas depois que você entrou e a fez sua também, é impossível entrar sem te lembrar. Achei que ali seria para sempre o meu lugar, aliás, eu queria isso. Pensei que você quisesse também. Todo mundo se engana, sei lá. Você me fez querer ser inquilina da minha própria casa, te deixei tomar conta de tudo, mas você de desfez das chaves. Veja só, me mudei da minha casa de toda a vida por não aguentar ficar lá sem você.  

Agora, estou em busca de outro lar. De mudança para um lugar que desconheço. Sem móveis, sem chaves, sem vontade e sem você.